quarta-feira, 28 de março de 2012

COMO PARTICIPAR DA VIGÍLIA PASCAL - IONE BUYST

COMO PARTICIPAR DA VIGÍLIA PASCAL - IONE BUYST
1. Luzes
Noite, escuridão, trevas. Quantas vezes, este ano, passei momentos de escuridão, momentos de angústia, momentos de desânimo, momentos de não compreender o sentido da vida, o sentido do meu trabalho, da convivência... Quantos acontecimentos nos deixaram perplexos: inundações; tsunamis; terremotos; assassinato de indígenas e lavradores para ficar com suas terras; acidentes de trânsito; violência; desentendimentos na família, entre amigos, no trabalho... Quantas pessoas em dificuldade... Quanta desigualdade... Quanta indiferença com a miséria das outras pessoas... 

Mas nesta noite, no meio da escuridão, acenderemos uma luz, a luz do círio pascal e pediremos: A luz de Cristo que ressuscita resplandecente dissipe as trevas de nosso coração e de nossa mente! E caminharemos seguindo esta luz e acenderemos nossas velas neste círio e cantaremos: Luz de Cristo! Graças a Deus! E a esperança irá crescendo em nosso coração enquanto entraremos em procissão no local da celebração, e enquanto ouviremos o ‘Exulte de alegria...’ e juntaremos nossas vozes no canto do refrão ‘Bendito seja o Cristo Senhor, que é do Pai imortal esplendor!’ E sonharemos com um mundo renovado, iluminado. 

2. Contando uma longa história: um povo a caminho 
Não estamos sós. Fazemos parte de um povo a caminho e que vem de muito longe, do princípio do mundo, quando Deus criou o céu e a terra e todos os seres que a povoam, inclusive nós, os seres humanos, de todos os povos e culturas. Escutamos reverentes o relato bíblico da criação, do livro Gênesis. E reconhecemos agradecidos: Quando tu, Senhor, teu Espírito envias, todo mundo renasce, é grande alegria!! E entendemos que na ressurreição de Cristo, o mundo foi recriado na esperança. 

Somos um povo abraâmico, que vive pela fé em meio às tendas no deserto, sempre pronto para retomar o caminho, procurando novas chances de viver. Fomos parar no Egito; conhecemos a acolhida de um povo estranho e, depois, a dura escravidão. E ouvimos o chamado de ‘Eu Sou’ que falou com Moisés na sarça ardente e mandou seu povo eleito caminhar, deserto adentro, em busca de libertação. Ele abriu o Mar Vermelho que ameaçava nos engolir quando fugíamos das tropas do exército opressor. E fomos salvos, passando no meio do mar, a pé enxuto, como conta o livro do Êxodo. E entendemos que Jesus, em sua morte de cruz, passou pelas águas da angústia e do sentimento de abandono por parte de Deus, mas foi salvo pelo Pai e nos leva consigo, em sua ressurreição. E na carta aos romanos Paulo insiste em dizer que nas águas do batismo seguimos o mesmo caminho: somos sepultados com Cristo em sua morte, para ressuscitar com ele para uma vida nova. Mas, antes, as palavras dos profetas nos animam com a promessa da nova aliança, do casamento com o Esposo, do banquete oferecido gratuitamente, com a volta à fonte da sabedoria, com a promessa da purificação pelas águas e a doação de um novo coração e um espírito novo que nos torna capazes de seguir o Senhor.

E quando explode o solene Aleluia e nos é proclamado o evangelho da ressurreição de Jesus, na madrugada do primeiro dia da semana, sabemos que o Cristo nos precede nas ‘galiléias’ da vida e que lá o encontraremos, no meio dos irmãos e irmãs, unindo os corações, cuidando as feridas, saciando fomes e sedes, lutando por igualdade social, ensinando o caminho da vida, cantando salmos, realizando o lava-pés, partilhando pão e vinho... 

3. Travessia: passando pelas águas
Reunidos ao redor da fonte batismal, acolhemos novos irmãos e irmãs na fé que, devidamente preparados num caminho catecumenal, irão passar pelas águas do batismo, serão confirmados com o santo crisma e participarão pela primeira vez conosco na ceia do Senhor. Desta forma, serão ‘in-corpo-rados’ no povo de Deus, na comunidade dos discípulos e discípulas de Cristo. Este fato me afeta pessoalmente, profundamente: somos membros uns dos outros, como partes de um mesmo corpo. Estamos unidos pelo mesmo Espírito do Cristo, para nos amar como ele nos amou. Somos enviados juntos em missão para renovar a vida em sociedade. 

Com uma ladainha, invocamos a presença e a ajuda dos santos e santas que nos precederam no caminho de Jesus, e pedimos insistentemente ao Senhor que nos livre do mal e nos liberte pela morte e ressurreição de Jesus e, pela força do Espírito, dê vida nova às pessoas que serão batizadas. 

Vejo a água da fonte batismal. Ouço, atentamente e agradecida, as palavras da bênção, evocando o sentido desta fonte: recordando as águas da criação, as águas do dilúvio, as águas do Mar Vermelho, a água do Jordão no batismo de Jesus e a água que saiu do lado dele quando estava morrendo na cruz, e as palavras do Ressuscitado enviando os apóstolos para fazer discípulos e batizar todos os povos... 

Junto-me interiormente aos gestos e às palavras do presbítero: mergulha o círio pascal na água e, em nosso nome, pede insistentemente ao Pai que, por seu Filho Jesus, desça sobre esta água a força do Espírito Santo e ressuscite as pessoas que aceitam e arriscam fazer a travessia, deixando-se batizar para iniciar uma vida nova, pautada no evangelho de Jesus. Mas, antes de entrar nas águas do batismo, é preciso renunciar à maneira antiga de viver e, em seguida, proclamar a fé em Deus, Pai e Filho e Espírito Santo. Saindo das águas, começa uma vida nova, na comunidade dos seguidores de Jesus Cristo. 

Também nós que fomos batizados há muitos anos, renovamos nesta noite santa nossa renúncia e nossa profissão de fé e somos aspergidos novamente com a água batismal, sinal de nossa participação na morte e ressurreição de Jesus. Banhados em Cristo, somos uma nova criatura; as coisas antigas já se passaram: somos nascidos de novo. Aleluia, aleluia, aleluia! E a alegria toma conta de nossos corpos e corações. E, então, só nos resta pedir intensamente, (encarecidamente?), por nós, pela Igreja, e pelo mundo inteiro, unindo-nos à prece de Jesus que sempre intercede por todos nós junto do Pai. E, pela primeira vez, os novos batizados participam desta prece, como membros do povo sacerdotal. Venha o vosso reino, Senhor! Reino de paz e de justiça, reino de vida e verdade para o mundo inteiro. Venha renovar nossas vidas, nossas sociedades, nossas culturas...

4. Ao redor da Mesa do Pão e do Vinho: formamos um só Corpo, em Cristo
Pão e vinho são partilhados como Ele fez naquela ceia derradeira, entre ação de graças e súplica, deixando claro o sentido de sua entrega, de seu martírio, de sua morte decidida judicialmente: fidelidade ao projeto do Pai, solidariedade total com os irmãos e irmãs. Vida entregue, por amor. Prova de amor maior não há que doar a vida pelo irmão. Doação fecunda que deve se prolongar na vida de cada pessoa que participa desta ceia: Tomem, comam e bebam...; tornem-se um só comigo – eu em vocês e vocês em mim – para continuarmos, juntos, sendo um só Corpo e um só Espírito, o trabalho por um mundo melhor, a serviço do Reino que há de vir... Não tenham medo! Eu estarei com vocês. Aleluia! E, pela primeira vez, os novos batizados participam da procissão das oferendas, da ação de graças e oferta do sacrifício, da oração do pai-nosso e da comunhão eucarística no Pão e no Vinho. E com a bênção de Deus aceitamos, juntos, o desafio da missão, em nome de Jesus. É páscoa: passagem, transformação, travessia.

Participar da Vigília Pascal supõe:

• Preparar-se para esta grande festa durante os 40 dias da quaresma, participando intensamente das liturgias, intensificando a leitura da sagrada escritura, a oração, o jejum, a solidariedade, a Campanha da Fraternidade, a mudança de vida. Mudai de vida, mudai, convertei-vos de coração...

• Aprofundar de antemão (alguns) textos bíblicos e litúrgicos da Vigília, com leitura orante, sozinho ou em pequeno grupo... Se possível, participar de uma reunião de preparação ou ler algum texto sobre o sentido desta celebração mais importante do ano litúrgico.

• Participar dos ensaios dos cantos, perscrutando sua mensagem profunda e deixando-nos transformar interiormente.

• Envolver-se na preparação prática da celebração, como por exemplo: limpar e organizar o local da celebração; preparar todo o necessário para a fogueira, o círio pascal e as velas para a celebração da luz; preparar todo o necessário para as incensações; encarregar-se das flores; preparar a estante da Palavra e a fonte (ou pia) batismal; fazer pães ázimos para a eucaristia...

• Se for o caso, assumir algum ministério e preparar-se para tal: acolhida, leitura, salmo, canto..., acendimento da fogueira, organização das procissões, distribuição da comunhão...

• Aguardar, com profundo desejo do coração, o dia e o momento da santa páscoa, intensificando-o no sábado santo, até o início da vigília. Preparar o coração e uma roupa de festa!

• Juntar-se a todo o povo reunido, sentir-se parte integrante, consciente de que estamos ali por convocação do próprio Deus. Agir, cantar e orar a uma só voz, de um só coração, de uma só alma. 

• Acompanhar com cada fibra de nosso ser (corpo, mente, coração, espírito) a liturgia da luz, da Palavra, do batismo, da eucaristia. Ver as pessoas, os gestos, cada ação simbólica... como se fosse pela primeira vez. Ouvir cada canto, cada passagem bíblica, cada oração..., com o ouvido do coração. Cheirar o incenso e as flores como que para inebriar a alma. Entregar-se à ação de Deus; deixar o Cristo Ressuscitado agir em nós; deixar-nos tocar por seu Espírito, através das ações rituais, renovando, transformando, fazendo nos passar da morte para a vida, do desânimo para a coragem, da indiferença para a disponibilidade do amor, do individualismo para uma relação profunda entre as pessoas... 

• Guardar o coração em festa durante todo o tempo pascal, até a festa de Pentecostes...

Ione Buyst, doutora em liturgia, autora de muitos livros e artigos tanto no campo acadêmico quanto no campo pastoral e popular. Atua na formação litúrgica como professora universitária e como assessora em encontros de formação e retiros. Membro da Rede Celebra de animação litúrgica.


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